"Que demora, estou a fim de escutar meu noivo dizendo que aceita". A frase foi ouvida em um dos corredores da Colônia Penal Feminina do Recife (CPFR), mais conhecida como Bom Pastor. Na noite desta quinta-feira (24), o pátio central estava lotado, enfeitado de flores feitas pelas próprias detentas com papel reciclado e ao som de atabaques. O clima era de festa para celebrar o primeiro casamento homoafetivo realizado em uma penitenciária brasileira. Na cerimônia coletiva realizada no presídio, oito casais eram heterossexuais e seis homossexuais. Nas palavras da secretária da mulher de Pernambuco, Cristina Buarque, as detentas do Bom Pastor estavam dando uma lição para o mundo e aconselhou: "Aproveitem esse momento bonito e briguem menos, aproveitem para exigir mais direitos. Nós precisamos entusiasmar quem está lá fora para sair do armário".
Gisa Alexandra está na Colônia Penal há sete meses e, se não fosse a audiência realizada em março, não teria visto o (agora) marido desde que foi presa. Ele não tinha acesso permitido na Bom Pastor por haver acabado de completar a maioridade. Quando se conheceram, Deivid disse que tinha 18 anos, mas, na verdade, tinha 15. "Ele me enganou, mas acho que, mesmo que eu soubesse, ia aceitar. A gente não escolhe essas coisas, né?", confessa. Gisa, que nunca quis casar, ao ser presa passou a ver o relacionamento com outros olhos: "Quando caí, vi quem está por mim, ele e minha sogra que me fazem ter força", reconhece a detenta, nervosa minutos antes da cerimônia, que não seria acompanhada pela família que é toda de São Paulo.
As histórias de amor oficializadas na noite desta quinta (24) não só sobreviveram à prisão, mas muitas foram iniciadas na Colônia Penal Feminina. Virlaniy Maria, 23 anos, já foi presa três vezes e, na primeira delas, conheceu Ana Paula Teixeira: "Ela saiu do castigo e eu estava na espera para entrar. Ela me ajudou e estamos juntas até hoje", lembra Virlaniy o fato ocorrido em 2009. Ana Paula está presa há cinco anos e sempre pensou em casar para construir uma vida e enfrentar os obstáculos juntas. Virlaniy, que não era entusiasta de casamentos, mudou de opinião: "Com ela, eu sempre quis".
Não só de mulheres ansiosas se encheu o Bom Pastor. Tarcísio da Silva, 18, esperava para oficializar a união com Janaína Barbosa: "Nos conhecemos há três anos. A gente já queria se casar, mas não tínhamos condições", lamenta o noivo. Janaína está presa há sete meses e Tarcísio fez visitas constantes ao presídio, em uma das vezes, foi praticamente pedido em casamento: "Ela disse que ia ter esse casamento coletivo e perguntou se eu queria participar. Eu gosto muito dela, ela gosta muito de mim, então resolvemos aproveitar a chance". A mãe do noivo, a mãe da noiva e a mais nova enteada de Janaína foram prestigiar a cerimônia.
O pátio estava lotado de parentes dos noivos, de dententas e autoridades. A festa foi marcada por descontração, aplausos, gritos de "Beija" e muita emoção. Priscila foi falar por todas as detentas e se emocionou muito: "A gente não manda no coração, sou muito apaixonada por minha mulher e quero ser respeitada por ser gay". Além da cerimônia civil, dois religiosos fizeram a bênção dos noivos. Representando as religiões afro, Maria Helena Sampaio pediu licença aos orixás e o diácono Toni Marques, da comunidade cristã Nova Esperança, declarou: "Deus ama cada um de nós do jeito que somos. O amor é uma necessidade moral; quando vocês andarem pelas ruas, ergam suas cabeças".
O casamento coletivo surgiu como uma demanda das reeducandas e foi levado pela diretora da Colônia Penal, Alana Couto, à Secretaria de Ressocialização (Seres). De acordo com Cirilo Mota, secretário de Direitos Humanos em exercício, "as pessoas são iguais apesar de suas diferenças". "Todos têm o direito de serem tratados como humanos", defendeu. No presídio, lugar marcado no imaginário social como espaço de falta e de tristeza, a noite foi de celebração da diversidade e do amor.
Fonte: NE10 / Blog do sargento Ricardo
No comments:
Post a Comment